Michel Foucault era nietzscheano. Era polêmico, mas procurava manter uma coerência com as suas obras. Neste sentido, Didier Eribon na sua biografia sobre o filósofo francês (“Michel Foucault”, SP: Cia. das Letras, 1990, p. 142) chegava a afirmar:
“Sob o aspecto político há um ponto sobre o qual todo mundo concorda: Foucault era violentamente anticomunista.”
A frase em si reforça o caráter “polêmico” do pensador. Contudo, a trajetória de Foucault seria mais complexa.
Muitos esquecem que, na juventude, o filósofo francês pertenceu ao Partido Comunista. O marxista Louis Althusser, seu professor, o indicou para publicar uma obra “na coleção ‘Iniciação Filosófica’ das Presses Universitaires de France” (Didier Eribon, p. 81) em 1954. Seria o seu primeiro livro: “Maladie Mentale et Personnalité”. Em um determinado momento do livro, Foucault defendia que:
“as relações sociais (…) sob as formas da concorrência, da exploração, das guerras imperialistas e das lutas de classes oferecem ao homem uma experiência que a contradição assombra sem cessar.” (“Maladie Mentale et Personnalité”, p.86; Apud, Didier Eribon, p. 82)
Quem conhece os livros do pensador francês jamais poderia imaginar o uso de termos como “guerra imperialistas” e “lutas de classes” ou mesmo tal ideia defendida em “Maladie Mentale et Personnalité”.
Aqui está o problema. Eu tenho o livro, mas trata-se de uma segunda versão modificada (com um novo título: “Maladie Mentale et Psychologie”), na qual Foucault retirou o que poderia existir de marxista no livro e substituiu com textos que seguiriam a linha da sua tese de doutorado “Histoire de la Folie”.
Na segunda versão, no lugar do determinismo marxista, apareciam mais problematizações do que certezas, como num trecho da conclusão quando ele questionava os “pontos de vista absolutos [associados à] (…) psicologia da doença mental.” (“Maladie Mentale et Psychologie”, p. 102)*
Apesar de ser um crítico das relações sociais, das ciências humanas e de toda e qualquer forma de censura, Michel Foucault também era um crítico de si mesmo e tentava até censurar as publicações de seus livros para que não revelassem as suas falhas e as suas dúvidas quanto aos seus métodos de análises:
“Mas essa nova edição forma um livro tão adulterado que Foucault proíbe a reimpressão e inutilmente tenta impedir que seja traduzido para o inglês. Foucault renega completamente esse trabalho: nas entrevistas, ao falar de seu ‘primeiro livro’, sempre se referirá à ‘Histoire de la Folie’, remetendo assim o pequeno opúsculo de 1954 e sua reedição de 1962 aos subterrâneos da história, e aos catálogos das bibliotecas.” (Didier Eribon, p. 83)
Essa não foi a única vez que Foucault tentou censurar as suas obras. Aliás, esse tipo de atitude não se limitava só aos seus livros. No debate que perdeu a amizade de Jean Baudrillard, ele tentou, sem sucesso, proibir também a publicação do livro “Esquecer Foucault” (RJ: Rocco, 1984).
© profelipe ™ 03-06-2015
(*) “Mais ni la physiologie ni la thérapeutique ne peuvent devenir ces points de vue absolus à partir desquels la psychologie de la maladie mentale peut se résoudre ou se suprrimer.” (“Maladie Mentale et Psychologie”, p. 102)
“Sob o aspecto político há um ponto sobre o qual todo mundo concorda: Foucault era violentamente anticomunista.”
A frase em si reforça o caráter “polêmico” do pensador. Contudo, a trajetória de Foucault seria mais complexa.
Muitos esquecem que, na juventude, o filósofo francês pertenceu ao Partido Comunista. O marxista Louis Althusser, seu professor, o indicou para publicar uma obra “na coleção ‘Iniciação Filosófica’ das Presses Universitaires de France” (Didier Eribon, p. 81) em 1954. Seria o seu primeiro livro: “Maladie Mentale et Personnalité”. Em um determinado momento do livro, Foucault defendia que:
“as relações sociais (…) sob as formas da concorrência, da exploração, das guerras imperialistas e das lutas de classes oferecem ao homem uma experiência que a contradição assombra sem cessar.” (“Maladie Mentale et Personnalité”, p.86; Apud, Didier Eribon, p. 82)
Quem conhece os livros do pensador francês jamais poderia imaginar o uso de termos como “guerra imperialistas” e “lutas de classes” ou mesmo tal ideia defendida em “Maladie Mentale et Personnalité”.
Aqui está o problema. Eu tenho o livro, mas trata-se de uma segunda versão modificada (com um novo título: “Maladie Mentale et Psychologie”), na qual Foucault retirou o que poderia existir de marxista no livro e substituiu com textos que seguiriam a linha da sua tese de doutorado “Histoire de la Folie”.
Na segunda versão, no lugar do determinismo marxista, apareciam mais problematizações do que certezas, como num trecho da conclusão quando ele questionava os “pontos de vista absolutos [associados à] (…) psicologia da doença mental.” (“Maladie Mentale et Psychologie”, p. 102)*
Apesar de ser um crítico das relações sociais, das ciências humanas e de toda e qualquer forma de censura, Michel Foucault também era um crítico de si mesmo e tentava até censurar as publicações de seus livros para que não revelassem as suas falhas e as suas dúvidas quanto aos seus métodos de análises:
“Mas essa nova edição forma um livro tão adulterado que Foucault proíbe a reimpressão e inutilmente tenta impedir que seja traduzido para o inglês. Foucault renega completamente esse trabalho: nas entrevistas, ao falar de seu ‘primeiro livro’, sempre se referirá à ‘Histoire de la Folie’, remetendo assim o pequeno opúsculo de 1954 e sua reedição de 1962 aos subterrâneos da história, e aos catálogos das bibliotecas.” (Didier Eribon, p. 83)
Essa não foi a única vez que Foucault tentou censurar as suas obras. Aliás, esse tipo de atitude não se limitava só aos seus livros. No debate que perdeu a amizade de Jean Baudrillard, ele tentou, sem sucesso, proibir também a publicação do livro “Esquecer Foucault” (RJ: Rocco, 1984).
© profelipe ™ 03-06-2015
(*) “Mais ni la physiologie ni la thérapeutique ne peuvent devenir ces points de vue absolus à partir desquels la psychologie de la maladie mentale peut se résoudre ou se suprrimer.” (“Maladie Mentale et Psychologie”, p. 102)